Complexidade e dificuldade nas tarefas de ensino – Pastiche

De acordo com a teoria dos constrangimentos de Newell’s, possivelmente a de maior impacto entre as demais, os comportamentos coletivos e individuais emergem da interação entre “fatores” ambientais, individuais e da tarefa (Figura 1).

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Figura 1. Interação entre constrangimentos, perceção e ação (Chow et al., 2007).

Esses “fatores” (constrangimentos) e a interação entre os mesmos definem os limites dentro dos quais os comportamentos poderão emergir. Imaginem-se dois atletas com características morfológicas marcadamente diferentes – constrangimentos individuais. As ações realizáveis por cada um destes serão díspares e constrangidas pelos limites morfologicamente estabelecidos. Modificações em constrangimentos ambientais como a superfície do campo, ou em constrangimentos da tarefa como as regras impostas num exercício de treino, poderão também alterar os comportamentos passíveis de ser realizados. Todos estes constrangimentos, quando corretamente manipulados, poderão guiar o processo de ensino-aprendizagem num sentido desejado.

A seleção prévia de contextos de aprendizagem encontra-se na base da atuação do treinador, sendo a mesma concretizada (fundamentalmente) através da manipulação de constrangimentos da tarefa. Alterações no número de alvos, nas dimensões do campo ou no número de jogadores envolvidos têm a capacidade de modificar de forma significativa os comportamentos táticos, técnicos e de tempo-movimento emergentes.


Em diferentes áreas do conhecimento o processo de ensino-aprendizagem decorre através de um conjunto de progressões ou regressões da complexidade e dificuldade das tarefas. Esta lógica – em muitos momentos circular – tem como objetivo garantir que os estímulos aplicados apresentam uma dificuldade e complexidade adequada às competências dos grupos e indivíduos. No entanto, e de forma surpreendente, a progressão e regressão das tarefas de ensino não é frequentemente abordada na modalidade de futebol.

A necessidade de aumentar ou diminuir a complexidade e a dificuldade das tarefas de ensino poderá ser avaliada através de um conjunto de perguntas e de uma escala ad hoc. Atente-se na seguinte figura construída para efeitos exemplificativos.

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Figura 2. Escala para avaliação de tarefas.

De forma a clarificar a aplicação do conjunto de perguntas e da escala a uma tarefa de treino imagine-se também o seguinte exercício.

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Figura 3. Exercício exemplificativo.

O exercício inicia-se na zona 1, sendo o objetivo (final) da equipa em posse invadir a “zona 2” através de condução ou de passe para os movimentos de rutura (comportamento preferencial).

As perguntas anteriores, quando aplicadas ao exercício referido, poderão fornecer indicações relativas à necessidade de progredir ou regredir a tarefa. Caso a resposta a ambas as perguntas se aproxime do item “sempre” poderá fazer sentido  progredi-la, através da manipulação de constrangimentos como as dimensões das zonas ou o número de jogadores envolvidos. Caso se verifique a resposta contrária poderá ser necessário regredir. De igual modo respostas demasiado díspares entre ambas as perguntas poderão obrigar a modificações na tarefa.

Mas quais as modificações indicadas? Será improvável uma resposta adequada e inclusiva, no entanto a capacidade de modificar tarefas apropriadamente é algo que caracteriza os bons treinadores. Em teoria uma situação de 3×3 será mais complexa do que um 3×1. Um 3×1 com menos espaço disponível será mais difícil (ofensivamente) que um 3×1 com mais espaço, e por aí adiante.

De uma perspetiva empírica o ideal será garantir que a complexidade e a dificuldade da tarefa originam respostas intermédias.

A adequação da complexidade e dificuldade às competências dos grupos e indivíduos não deverá ser garantida apenas no momento prévio de seleção de tarefas de treino, através da avaliação das sessões anteriores. A planificação efetuada pelo treinador deverá também incluir progressões e regressões passíveis de serem utilizadas durante a execução do treino, caso tal seja necessário.


Outros sistemas de avaliação poderão ser desenvolvidos com recurso a lógicas semelhantes. E não nos esqueçamos também da influência que a capacidade de alcançar os objetivos da tarefa tem na modelação da dimensão psicológica. Por vezes falhar demasiado poderá ser positivo, sendo o inverso igualmente verdade.


O talento desportivo é essencialmente uma questão de resposta funcional e adaptativa às informações contextuais, e não de posse de características inatas. Os indivíduos com maior capacidade de responder adequadamente à tarefa – e à complexidade e dificuldade a ela inerente – apresentarão um desempenho superior.

A função do treinador nunca poderá ser a de seleção avulsa de tarefas de ensino através de um processo não sistematizado. É essencial que os contextos por este propostos apresentem uma lógica de progressão e regressão que permita adequar as tarefas às competências pelos jogadores evidenciadas.


Referências Bibliográficas

Chow, J. Y., Davids, K., Button, C., Shuttleworth, R., Renshaw, I., & Araújo, D. (2007). The Role of Nonlinear Pedagogy in Physical Education. Review of Educational Research, 77(3), 251-278.


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